A assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, representou o fim do direito de propriedade de uma pessoa sobre a outra. No entanto, persistiram situações que mantêm o trabalhador sem possibilidade de se desligar de seus patrões. Há fazendeiros que, para realizar derrubadas de matas nativas e formação de pastos, produzirem carvão para a indústria siderúrgica, preparar o solo para plantio de atividades agropecuárias, contrata mão-de-obra utilizando os contratadores de empreitada, os chamados “gatos”. Eles aliciam os trabalhadores, servindo de fachada para que os fazendeiros não sejam responsabilizados pelo crime.
Esses gatos recrutam em regiões distantes na primeira abordagem, são agradáveis, com boas oportunidades de trabalho. Oferecem serviço em fazendas, com garantia de salário, de alojamento e comida. Para seduzir o trabalhador, oferecem “adiantamentos” para a família e garantia de transporte gratuito até o local do trabalho.
O transporte é realizado por ônibus ou caminhões improvisados sem qualquer segurança. Ao chegarem ao local do serviço, são surpreendidos com situações completamente diferentes das prometidas. Para começar, o gato lhes informa que já estão devendo. O adiantamento, o transporte e as despesas com alimentação na viagem já foram anotados em um “caderno” de dívidas que ficará de posse do gato. Além disso, o trabalhador percebe que o custo de todos os instrumentos que precisar para o trabalho – foices, facões, motosserras, entre outros – também será anotado no caderno de dívidas, bem como botas, luvas, chapéus e roupas. Finalmente, despesas com os improvisados alojamentos e com a precária alimentação serão anotadas, tudo a preço muito acima dos praticados no comércio.
Convém lembrar que as fazendas estão distantes dos locais de comércio mais próximos, sendo impossível ao trabalhador não se submeter totalmente a esse sistema de “barracão”, imposto pelo gato a mando do fazendeiro ou diretamente pelo fazendeiro. Se o trabalhador pensar em ir embora, será impedido sob a alegação de que está endividado e de que não poderá sair enquanto não pagar o que deve. Muitas vezes, aqueles que reclamam das condições ou tentam fugir são vítimas de surras. No limite, podem perder a vida.
As primeiras denúncias de formas contemporâneas de escravidão no Brasil foram feitas em 1971, por Dom Pedro Casaldáliga, bispo católico e grande defensor dos direitos humanos na Amazônia. Sete anos depois, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) denunciou fazendas, ligadas a multinacionais, no sul do Pará que cometiam esse crime. O depoimento dos peões que conseguiram fugir a pé da propriedade deu visibilidade internacional ao problema. Desde 1985, denúncias de escravidão passaram a ser encaminhadas à Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em 1995, o governo federal brasileiro – por intermédio de um pronunciamento do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso – assumiu a existência do trabalho escravo perante o país e a OIT. Com isso, tornou-se uma das primeiras nações do mundo a reconhecer oficialmente a escravidão contemporânea. Em 27 de junho daquele ano, foi editado o decreto número 1538, criando estruturas governamentais para o combate a esse crime, com destaque para o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) e o Grupo Móvel de Fiscalização, coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Em março de 2003, o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, lançou o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e instituiu, em agosto do mesmo ano, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
Um ano depois, o Brasil reconheceu perante a Organização das Nações Unidas a existência de pelo menos 25 mil reduzidas anualmente à condição de escravos no país. A estimativa foi obtida através de projeções da Comissão Pastoral de Terra. Porém, como se aproxima da realidade que tem sido presenciada pelos grupos móveis de fiscalização, é utilizada como referência pelas entidades governamentais e não governamentais que atuam no combate ao crime. Esse número refere-se ao trabalho escravo rural6, sendo que a época com maior incidência é no pico do serviço de limpeza de pasto na Amazônia.
Há outras tentativas no sentido de calcular o total de trabalhadores com base na quantidade de necessária para manter o atual ritmo de desmatamento na Amazônia. Porém, é impossível determinar uma estatística precisa de quantas estão submetidas à escravidão, uma vez que ela deixou de ser legal no Brasil em maio de 1888 e passou a ser uma atividade ilegal, portanto, clandestina.
FONTE: Trecho tirado de pesquisa realizada por alunos do terceiro período de Ciências Contábeis da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Belo Horizonte-FACISABH - 2010